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| Jornalista João Dantas |
(Artigo cultural e educacional de um dos nossos grandes e conceituados colaboradores o jornalista João Dantas)
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Bem vindo
ou bem-vindo? No caso específico, nada mudou: ainda escrevemos bem-vindo, todos
os que a corrigem estão simplesmente equivocados. Essa sanha corretora poderia
ser só mais um exemplo de sabichonice, um mal infelizmente comum no mundo das
palavras, se não fosse desculpável no caso do hífen. Este parece ter sido
cuidadosamente projetado para provocar confusão. Segundo o acordo, as palavras
compostas com os advérbios bem e mal só levam hífen se o segundo termo for
iniciado por h ou vogal. Eis por que bem-feito virou benfeito. Certo,
mas por que bem-vindo não virou benvindo? Ah, porque, nesse caso, “mantém-se a
noção de composição”. Entendeu? É claro que não. Não há diferença objetiva
entre os dois casos, a arbitrariedade do critério é gritante.
O fato é
que o uso do hífen em português, que já era puro Kafka, ganhou mais uma volta
do parafuso. As mudanças recentes são perversas por dois motivos. O primeiro é
a oportunidade que perdemos de limpar um terreno hostil a quem quer escrever
com correção, mas não tem tempo ocioso nem motivação para trazer na ponta da
língua a lista de afluentes do Amazonas com suas respectivas extensões, volumes
de água e cidades ribeirinhas. O segundo é que o acordo faz letra morta da
principal arma que, no cipoal de regrinhas minadas aqui e ali pela incoerência,
tinham os falantes para não cometer erros de ortografia: a memória visual. Esta
ficou obsoleta e precisará ser reconstruída pouco a pouco. Até que a próxima reforma
ortográfica a revogue também.
Como
confiar na memória agora que tanta coisa é o oposto do que era – mas nem tudo,
aí é que está? Por que o hífen de paraquedas caiu e o de para-lama, não? Lá vem
aquele curinga maroto outra vez: ah, porque aquela palavra, ao contrário desta,
já perdeu a “noção de composição”. Sei…
Por que a
água-benta ganhou um hífen, tornando-se palavra composta, mas a água mineral
permaneceu uma locução? Em ambos os casos, trata-se de um substantivo comum
seguido de adjetivo, sem que o par forme um sentido diferente da soma das
partes: água-benta é água benzida, seu hífen é um sacrilégio.
(Ou será que o
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa manda usar hífen apenas para a
acepção regionalista de cachaça – outra decisão idiota, por supor a
incapacidade do leitor para a compreensão de uma ironia primária, mas esta já
vigente antes do acordo? Isso o Volp, que não traz definições, não diz. Os
dicionários continuam seguindo por aí, mas não é sempre que concordam com as
interpretações da Academia. Estamos em águas turvas.)
Poderíamos
ir longe nesse caminho, mas não vale a pena. A quem estiver disposto a decorar
pelo menos em parte a lista de afluentes do Amazonas, indico este resumo das novas regras do hífen. Meu
conselho a quem não for professor ou estudante de português – nem estiver
disposto a pagar o preço da desobediência civil, postura bastante defensável
neste caso – é passar os olhos por elas, mas sem perder muito tempo. E a cada
dúvida, aí sim, consultar um dicionário atualizado ou o Vocabulário Ortográfico no site da Academia Brasileira
de Letras.
Daqui a
dez ou quinze anos, com um pouco de sorte, teremos tudo na memória outra vez.

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